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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Para começo de conversa - 3 25/08/2011

Tenho a sensação que há, neste momento, um grupo significativo de pessoas pensando seriamente nos acontecimentos globais e especialmente nas permanentes idiossincrasias brasileiras. Os abalos econômicos e as dívidas expostas de países ricos – europeus e Estados Unidos  – que beiram ao calote, afloram avaliações sobre os sistemas democrático e capitalista. Interessei-me sobre o assunto de um newsletter sobre cultura e filosofia, que destaca a entrevista do sociólogo polonês Zygmund Bauman. 
Impressionou-me sua lucidez. Ele vive na Inglaterra e tem 86 anos. É considerado intelectual e importante pensador contemporâneo. Com a simplicidade dos sábios, na entrevista ele falou da condição social no mundo pós-moderno, teorizou sobre a sociedade fragmentada na qual vivemos, da necessidade de criarmos nossa própria identidade, do mundo indeterminado e dessa posição de dependermos um do outro. Falou dos laços humanos, da ambivalência da vida, da felicidade e do futuro da democracia.
Parei neste ponto e estabeleci relação com artigo  de outro sociólogo brasileiro, Elimar Pinheiro do Nascimento, sobre idêntico assunto leia o artigo publicado neste blog: "A democracia sobreviverá ao século 21?".
 É tema inquietante e merece atenção. O problema é a inexistência de alternativas seguras e confiáveis para o futuro do sistema democrático neste momento. O artigo exposto a seguir é a minha tentativa de refletir essa questão na mídia, a começar neste blog crítica & afago.

A decisão que nos compete

As vozes estão aumentando de intensidade. Surgem aparentemente isoladas, vindas de todas as partes do planeta, também do Brasil. Identificam-se com o questionamento de pessoas comuns, mas essa sinalização é forte quando estabelecida por intelectuais respeitáveis: Qual o futuro da democracia?
Há a percepção generalizada de que vivenciamos a decadência da democracia. Em instigante entrevista, no mês passado, o sociólogo polonês, Zygmund Bauman – considerado importante pensador contemporâneo –, fundamenta tal percepção e aponta o divórcio entre o poder e a política como um dos responsáveis. O Estado está fragilizado e não tem poder suficiente para manter todas as promessas que fez 50 anos atrás aos cidadãos. Se isso acontece, qual a moral do Estado em honrar as suas promessas mais recentes, as de hoje?
Aqui, as pessoas não aguentam mais a impunidade. A política se desqualifica por integrar e ser artífice dos escândalos e crimes praticados em todas as instâncias por homens do governo, partidos e representantes legítimos do povo. A qualidade da democracia é duvidosa, porque o Estado oferece cada vez menos aos cidadãos. O interesse dos espertos é fazer com que sejam subcontratadas as funções que o próprio Estado deveria desempenhar. A injustiça incomoda. Fica evidente o vigoroso comércio estabelecido, por trás de tudo, que massacra a vida de todos. Não honrando a histórica base democrática, o Estado e os políticos transgridem a ética e a moral, são coniventes artimanhosos. Com os seus interesses privados, enganam e impõem práticas não distantes das de regimes totalitários. A lenta e frágil Justiça brasileira, ao não fazer adequadamente o que lhe compete, se encarrega de fechar o círculo tenebroso que agride e decepciona a sociedade.
Não há como se ser indivíduo numa sociedade tirana. Deve haver cooperação mútua entre o indivíduo autônomo e a comunidade autônoma. Entretanto, o exagero de determinados poderes corrompem o espaço sagrado do indivíduo e da comunidade. O privado está a manipular regras e impor interesses que mascaram até mesmo o voto do cidadão. O voto, desacreditado, é feito pela obrigatoriedade. Esse panorama é mais visível e entendido quando praticado na casa dos outros, mas ocorre dentro do nosso próprio espaço brasileiro, estadual e municipal. Não há partido, governo ou legislativo que passe por sério crivo de avaliação. Os pecados e crimes estão na vitrine e a tirania despreza a queixa das ruas. Um dia esse movimento explode.
Segurança e liberdade são indispensáveis para a vida satisfatória, Na falta deles, não se consegue vida digna. Segurança sem liberdade é escravidão e liberdade sem segurança é o caos. O dilema contemporâneo é identificar a fórmula ideal para os dois. Talvez não consiga, é incógnita. Enquanto isso a sociedade convive com os aproveitadores, com os que detém o poder do dinheiro, o poder do Estado e o poder das leis. A irresponsabilidade e a corrupção correm soltas e são explícitas nesse meio, sem punições. A lei protege a corrupção, é o que está fundamentado no Brasil. E a sociedade fraqueja, por mais que perceba as anomalias.
Então, qual o futuro da democracia? O assunto dominou seminário realizado na Université Internationale d´Été, França, em 2010 e em junho último. Elimar Pinheiro do Nascimento, sociólogo e diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, deixa a questão inquietando no artigo “A democracia sobreviverá ao século 21?”, publicado em maio e que está exposto no blog Crítica & Afago na internet. Ele aponta cinco argumentos: o declínio da representação e funcionalidade do espaço político democrático; a dificuldade de diversos povos e culturas do Sul se regerem sob o regime democrático – o mundo islâmico, por exemplo; o deslocamento do processo decisório do espaço público para o espaço privado; a constatação que o espaço da política deixa gradativamente de ser o espaço originário das mudanças sociais; e, finalmente, a crise ambiental que suscita dúvidas sobre a capacidade de os regimes democráticos implantarem políticas consistentes para enfrentar os riscos das mudanças climáticas.
Percebe-se que o tema fermenta e é consistente. A sociedade brasileira vai ter que conviver com a questão que lhe diz de perto, por estar ainda submissa à insensatez do Estado, à má gestão de governantes e sofrendo com o baixo nível político estabelecido no nosso país. É inqualificável e corrosivo o volume de partidos existentes no país, insignificantes com as suas propostas e sem oferta de políticas públicas. Todos sugam seiva vital da sociedade. São os sociólogos que expandem suas preocupações neste momento. Todas elas convergem para a mesma identidade das análises. A reflexão ganhará dimensão entre nós comuns, por certo, que sofremos na carne as arbitrariedades políticas, governamentais e do sistema. Qual o futuro da democracia? É de se pensar. A decisão nos compete.

Carlos Karnas
23/08/2011

Este artigo foi publicado na página 2 - "Ideias&" do jornal O Vale (SJC), edição do dia 1º de setembro de 2011 e por Coletivanet em 5 de setembro de 2011