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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A humilhação institucionalizada

São José dos Campos  - SP, esconde e elimina a pobreza.
Defensor público revela a farsa do Pinheirinho. Confira aqui.


Por Carlos Karnas

O oportunismo político sempre rondou a área do Pinheirinho. Agora ele cresce inconsequentemente, agredindo ainda mais a dignidade social. Está ativa a disputa interesseira dos incompetentes. A praga política municipal e estadual, acuada pela opinião pública e pela mídia, não mede esforços para se justificar e se isentar dos horrores e da violência que cometeu, estabelecidos na desocupação da área por mando da Justiça. As autoridades responsáveis diretas querem se safar do problema que criaram, por incompetência política generalizada. Todas persistem em sustentar atitude arrogante, intransigente e prepotente na defesa e manutenção dos seus interesses próprios, não necessariamente dos daqueles que deveriam merecer, acima de tudo, amparo, respeito e dignidade. O caos, antes contido e restrito à área de conflito, está generalizado. As manifestações populares, com apoio além das fronteiras municipais, são visíveis e praticamente diárias. Defendem os injustiçados, exigem do governo o que ele não faz e deixam os políticos de saia justa. Submetem-nos ao vexame que são. Os defensores dos direitos humanos, com autoridade e com farto registro documental, levam adiante justificadas acusações contra o poder público e o judiciário. O mundo toma conhecimento. A incompetência dos governos municipal e estadual, os principais responsáveis pelo desequilíbrio social e violência no Pinheirinho e fora dele, procuram desesperadamente seus bodes expiatórios. Tentam, tardiamente diante do conflito, impor medidas paliativas e assistencialmente desastradas que estão a estabelecer mais incertezas que certezas, mais complicadores que soluções, mais manobras políticas que atos coerentes e ágeis.

Há acinte nas práticas governamentais. A condição da massa populacional expulsa é de relento marginal. Por mais que a autoridade embeleze suas ações, essa gente está desamparada, desassistida, sofrendo vexames e piores humilhações; consequências de um poder de Estado que se revela perverso, mal-intencionado, manipulador e aproveitador da situação. Sob a égide do PSDB, São Paulo e São José dos Campos não são exemplos da prática humana e universal de justiça social. Pelo contrário. Há a opção incontestável pela magnificência administrativa, grandiloquência urbanística, proselitismo político com bases falsas e frágeis. A base da pirâmide social reclama em vão. Discriminações estão estabelecidas. O perfil da administração pública municipal e estadual expõe sua chaga, ao desqualificar as necessidades básicas, constitucionais e emergenciais da população mais carente. Os expulsos do Pinheirinho agora são as vítimas mais expostas e indefesas, diante da arrogante inabilidade das autoridades e dos políticos responsáveis pela administração e ordem social. São esses os responsáveis e executores diretos de políticas públicas fundamentais e permanentes, que deveriam estar voltadas, indiscriminadamente, para projetos habitacionais, educação, saúde, valorização humana e paz social, segurança e bem-estar. No caso dos expulsos do Pinheirinho, Judiciário e Governo, por seus atos e em todas as suas instâncias, insistem em demonstrar determinada desgraça e desvirtuamento ético e moral, que não ajudam a valorizar o Estado de Direito nem o social democrático. Afinal, os penalizados continuam sendo os convencionados excluídos da sociedade, e migalhas para esses seres humanos podem ser muito, na visão tosca da autoridade constituída. Para ela não contam a dignidade, a honra e o respeito aos injustiçado. Para ela, os excluídos fazem parte das mazelas sociais estabelecidas e que nelas fiquem. Os sofrimentos, angústias e insultos que sofrem os miseráveis não são relevantes ao sistema vigente.

As consequências da desocupação da área do Pinheirinho não terão solução fácil. Não desaparecerão do dia para a noite. As pessoas continuam sendo maltratadas, discriminadas, humilhadas e jogadas para viver em guetos institucionalizados. O Judiciário e o Poder Público, para privilegiar o capital, não conseguem mais harmonizar e ordenar ações relevantes de amparo digno aos excluídos. A infraestrutura colocada à disposição é falsa, afronta e agride qualquer ser humano. A sociedade está onerada e machucada diante da excrescência do fato. As famílias expulsas continuarão a sofrer diante de atos e atitudes irreparáveis do Poder Público. Humilhações inadmissíveis estão exponenciadas para essas pessoas. Nenhuma ação preventiva foi colocada em prática diante do problema latente que se arrastou por anos, quase década. Nem antes, nem durante muito menos depois. A empresa Selecta S/A, proprietária da área, jamais preservou o seu patrimônio. Aproveitou-se da situação. Barganhou com o Poder Público, com políticos e com o Judiciário, na habilidade dos advogados e nos meandros da lei. O município e o Estado sempre fizeram vistas grossas ao problema e dele, juntamente com políticos conhecidos, tiraram proveito de toda grandeza, até pecuniário. O Judiciário aplicou a lei e disputou competências no próprio meio, sem agregar medidas sociais preventivas para o problema de consequências previstas.

Agora o que há é situação emergencial, com anúncios de medidas nada ágeis e eficazes, mas duvidosas no longo prazo, com custos de contabilidade incerta e sujeita a todas as malversações conhecidas. Está estabelecida uma incômoda e incompreensível burocracia para dificultar grandiosamente os que foram expulsos do Pinheirinho. Os pronunciamentos midiáticos do prefeito José Eduardo Cury e do governador Geraldo Alckmin não convencem, pois neles há o estranho olhar da falsidade. Denunciam-se ao explicar o que não pode ser explicado e entendido. Enquanto isso, o ser humano da área do conflito continuará sendo lixo social para políticos e autoridades. São esses os que só se preocupam com o discursivo da incompetência para a continuidade de descalabros, que mais interferem, tumultuam e dificultam na assistência e atenção aos indigentes. Esses seres humanos que foram violentados deveriam ser, sim, alvos primordiais de atenção humana, com dignidade e respeito. Entretanto, continuam sendo massa de manobra política, onde se inserem partidos, facções, entidades comunitárias e classistas, além de organizações sociais tantas. Todas querendo tirar proveito de uma realidade social específica, a qual é composta de injustiçados que continuarão a sofrer nas mãos do Poder Público. Há guerra panfletária.

O cidadão de bem e afastado do problema está nele também. A sociedade joseense continuará convivendo com esse escândalo por longos anos. O problema criado pelo PSDB será repassado ao futuro prefeito que tomará posse em menos de um ano. Os responsáveis incompetentes devem ser punidos. Sem punição se beneficiarão. Quanto aos expulsos do Pinheirinho, talvez morram na condição humana que os humilha.

Outras e diferentes mídias publicaram este artigo. Confira:

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

São José dos Campos? Que cidade é essa?

Por Carlos Karnas

   O munícipe, em São José dos Campos, tem motivos suficientes para se perguntar: que cidade é essa? O caos estabelecido com a desocupação da área do Pinheirinho pode ser considerado verdadeiro escândalo político-administrativo para sustentar decisão da Justiça que, por sua vez, impôs a aplicação da lei sem medidas acauteladoras para salvaguardar a ordem e o amparo social. A irresponsabilidade e a incompetência no trato das causas sociais mais agudas expõem a criminosa fragilidade da administração pública e dos políticos de São José dos Campos. Eles conseguiram transformar o caos organizado e contido em caos desorganizado e degradante que se alastrou por toda a cidade. A administração pública  municipal conseguiu, imaturamente, desorganizar e tumultuar ainda mais determinada e aparente harmonia de convivência urbana na Zona Sul. Essa desestabilização agora vai se espalhando para outros locais da cidade. Até mesmo o Judiciário sentiu o peso da indignação coletiva e, espantosamente temeroso diante de ameaças, o juiz diretor do Fórum de São José dos Campos determinou, “por questões de segurança”, restringir o ingresso da população ao prédio principal do poder Judiciário. Ficou restrito a advogados, estagiários com carteirinhas e às partes envolvidas em audiências. Ou seja, o Judiciário de São José dos Campos, em Estado Democrático de Direito, estabeleceu distinções e regalias para poucos e desqualificou todo o resto da população que exige segurança e justiça. Uma absurda prepotência.
    As sucessivas entrevistas do prefeito José Eduardo Cury (PSDB), veiculadas pela mídia, são preocupantes.  O jovem alcaide tem patrocinado falsidades com nítido objetivo midiático. Tão só. Ao pé da letra, o expressado pelo prefeito Cury é constrangedor. Decepciona o cidadão que defende a constituição, o direito democrático, a ordem e justiça social; e que entende que políticas públicas eficientes são necessárias e universais. A tentativa de esclarecimento de Cury, com o ocorrido na área do Pinheirinho – com consequências absurdas e latentes –, chove no molhado, expõe a fraqueza e a covardia de um administrador e seu partido diante da miséria real da sociedade brasileira. Enfim, as infelizes autoridades querem manto justificador para acobertar suas incompetências. Não souberam ou não quiseram assumir iniciativas e compromissos na hora certa, antecipadamente, antes que o conflito social ganhasse a proporção de desespero, violência e vandalismo que se estabeleceram.

    Na origem, toda a administração pública municipal, bem como a estadual, desqualificaram por quase uma década as negociações pontuais e consequentes com os invasores da área do Pinheirinho. A autoridade pública, aferrada ao seu neoliberalismo, desprezou obrigatoriedades sociais e essenciais para os mais desassistidos, as quais deveriam reverter em solução social benéfica para a justa harmonia da cidade. Faltaram atos, coragem, dignidade, responsabilidade e competência política para a adequada solução do problema que se estabeleceu e que agora traz sérias e amargas consequências para todos, indistintamente.

    O que a administração pública está fazendo agora é remediar o problemaço de ônus crescente e coletivo. E as ações, que o prefeito Cury diz estarem voltadas para beneficiar a massa populacional expulsa do Pinheirinho, são paliativas. São ações mal estruturadas e desorganizadas. Inconsistentes, que não valorizam o ser humano. Não há como elencar seriedade, honradez e confiabilidade no que Cury fala e naquilo que a Prefeitura tenta impor. Novos e pressupostos problemas sociais advirão dos atos que tardiamente começaram a ser praticados, e que não deixam de ser questionáveis por serem demorados e duvidosos.

    A mobilização da estrutura assistencial municipal colocada em prática desde o último domingo, data da eclosão do conflito, é arremedo. A grandiosidade do problema solapa a própria iniciativa e infraestrutura da municipalidade. Tudo poderia ser desnecessário se as autoridades municipais e estaduais, juntamente com o Judiciário empafiado, tivessem feito o que lhes é de competência responsável para a harmonia e paz social. Pelo contrário, as autoridades e políticos todos, sistematicamente, desdenharam o problema. Desqualificaram-no nas prioridades. Apostaram em deixar o tempo passar e ludibriaram os que estavam a merecer atenção. Os políticos tiraram proveito da situação. Preferiram estabelecer tentativas de negociações segredadas com a massa falida Selecta S/A, proprietária da área do Pinheirinho, e impuseram o ritmo que fosse mais confortável para não atiçar a opinião pública e os próprios interessados – os invasores que buscavam solução. Não se pode descartar que as negociações entre autoridades e proprietários da área estavam voltadas para acertos estranhos e transversos. Eles continuam não revelados. Somente os envolvidos sabem das suas manipulações e de como o desfecho das conversas não chegaram a bom termo. Entre as partes pode não ter havido sintonia ideal para o destino do conveniente quinhão dos R$ 134 milhões em jogo.  Alguém duvida?

    Esse valor é o que foi divulgado por Cury, só para a infraestrutura daquela área, desprezados os valores finais de qualquer empreendimento que agora lá irá surgir. E nas palavras do prefeito Cury, entende-se que o valor em jogo não convém ao social direto. Para ele, é preferível criação de indústrias e geração de emprego do que resolver problema da falta de moradia imediata naquela área. Os novos banidos de agora que se espalhem e perambulem pelo município ou voltem para as suas cidades de origem. É o que a prefeitura sob comando de Cury estabelece. Eis a visão e atitude simplista estabelecida pelo prefeito com o apoio do governador Geraldo Alckmin, também PSDB, que, num passe de mágica, instituiu auxílio aluguel de R$ 500,00 para os expulsos, até que futuros programas habitacionais estejam concluídos e entregues aos desabrigados. Para as autoridades, novas apostas no futuro incerto, nada para o que é vital no presente.

    Pois o conflito do Pinheirinho é tão instigante que nem mesmo as pessoas desalojadas aceitaram a infraestrutura disponibilizada, enfim, pelo poder público. Os carentes e necessitados preferiram se valer do que foi ofertado por igrejas, algumas entidades civis e pela comunidade. Ou seja, não pelas autoridades responsáveis. E se isso aconteceu é porque há algo grave e podre no cerne da administração pública. Ela está desqualificada por não fazer o que deve e por não ser confiável. Arrogante e presunçoso, o poder público municipal elencou cifras e magnificências urbanas que não estão privilegiando o social básico de direito constitucional. As críticas e as queixas da população são incontestáveis e avolumam-se ao longo dos anos de administração sob tutela do PSDB, com Emanuel Fernandes e agora José Eduardo Cury.

    Os dias passando, o governo estadual brada em alto e bom som que, finalmente, a área ocupada do Pinheirinho está livre de invasores e os casebres lá existentes foram destruídos. A imposta decisão da Justiça foi diligentemente cumprida e os legítimos donos – a Selecta S/A, juntamente com Nagi Nahas, envolvido em outros escândalos financeiros e empresariais – já assumiram a área para tocarem seus empreendimentos com o beneplácito aval do poder público municipal. O problema social em nova exponencialidade, que fique com os milhares de desabrigados e com o resto da coletividade. O importante é que a Prefeitura de São José dos Campos – como diz o prefeito Cury – agora poderá receber os R$ 16 milhões em impostos que a Selecta S/A deve ao município. Perigosamente, o prefeito Cury deixa margem para se entender que a ação do poder público mereceu um acordo consignado entre o devedor e a municipalidade. E mais, o custo social do que agora está estabelecido é contabilidade que levará tempo para ser fechada. Recursos despendidos para a expulsão dos invasores do Pinheirinho, talvez fossem suficientes para a solução definitiva do problema lá na origem. A partir de agora, e para o futuro, o preço é inimaginável e a ferida social está a deixar sequela.

    A sociedade joseense continuará convivendo com este escândalo por longos anos. O problema criado pelo PSDB será repassado ao futuro prefeito e à nova administração municipal que tomarão posse em menos de um ano. O que se estabelece de perdulário, na atual administração e no caso Pinheirinho, será jogado para comprometer ainda mais os encargos do munícipe. O cidadão de bem e afastado do problema Pinheirinho, agora está nele também. Os moradores da Zona Sul estão convivendo com vandalismos subsequentes, consequência da desocupação da área em questão. Itinerários de ônibus foram alterados, ruas e avenidas foram bloqueadas, o comércio se viu obrigado a fechar as portas, patrimônio público foi depredado, carros incendiados, houve gente ferida, a instabilidade e o caos ficaram estabelecidos, prédios de convivência comunitária estão interditados para abrigar milhares de desabrigados. A chaga está totalmente exposta. Culpa das autoridades, dos políticos e de magistrados.

    Já havia dito, anteriormente, que no fato presente não há inocentes. Há irresponsáveis, incompetentes e toda a comunidade penalizada. Agora convivemos com nova massa de desamparados, com custos sociais coletivos e sem perspectiva de solução digna para o problema. Os mais fracos e desamparados vão penar ainda mais. E se há justiça em alguma parte, a autoridade que conseguiu estabelecer tamanho desordenamento e escândalo deve pagar. O munícipe está obrigado a exigir a punição dos culpados. Os políticos aqui envergonham e fedem. A justiça social não está salvaguardada em São José dos Campos. A discussão ainda vai longe e envolve discursos que trilham o que é da democracia social e o que é do capitalismo selvagem, que o neoliberalismo do PSDB tanto namora. Por sinal, a nota oficial expedida na quarta-feira pelo presidente interino da Comissão Executiva Nacional do PSDB, Alberto Goldman, além de constrangedora e provocativa é ridícula. É engodo e politicamente baixo o que notifica Alberto Goldman. Querer manipular e responsabilizar outros no problema do Pinheirinho, que sempre foi da competência direta do município de São José dos Campos e do governo do Estado de São Paulo, é torpe. Jogada midiática para fugir das responsabilidades e que ajuda a conturbar ainda mais o cenário exclusivo sob responsabilidade de administradores conhecidos e muito bem identificados. Esses sim, os incompetentes, irresponsáveis e inescrupulosos são que avolumam a quantidade de proscritos e suas misérias. Todos, com o presidente interino do partido, estão abraçados nas causas que não oferecem dignidade e justiça ao social estabelecido na constituição e universalmente. As decisões impostas por essa gente são sempre preocupantes. Um verdadeiro perigo que a sociedade não merece.

Outras e diferentes mídias publicaram meus artigos. Confira:

Consequências da irresponsabilidade

Por Carlos Karnas

    Nos acertos e desacertos, nem tanto ao céu e nem tanto à terra. O que houve no domingo, na ação de desocupação da área do Pinheirinho, é preocupante e terá reflexos, Merecerá atenção jurídico-político-social por bom tempo e até poderá ser rememorado por anos, como marco de convulsão social. Entretanto, o calor dos acontecimentos deve ser realinhado com algum distanciamento, para a melhor análise e percepção do que aconteceu. A imparcialidade e independência são necessárias.

    Uma fantástica incompetência das autoridades (governo, legislativo e judiciário), ao longo de uma década, resultou na violência que um grupo da sociedade sofreu e que a mídia divulgou em todos os seus canais. É forçado e inconsequente recriminar a Polícia Militar na desocupação do Pinheirinho, pois a decisão da ação não pode ser imputada à Polícia Militar. Ela é executora de determinações, de instâncias outras e superiores, e ao final sempre expõe a cara para bater ou apanhar também. Nossa constituição e as legislações assim estabelecem.

    A desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, é fato incontestável. Reflete idiossincrasia contemporânea. Apresenta-se como sendo movimento agressivo e perturbador, resultante de atos e não-atos dos que deveriam resolver os problemas sociais e não os resolveram. Os responsáveis são autoridades de governos municipal, estadual e federal; do poder judiciário e do poder legislativo. Os políticos, representantes do povo, pouco ou nada fazem para a prevenção necessária de conflitos sociais previstos. Ao contrário, os alimentam às últimas consequências para tirarem o máximo proveito para si, manipulam intenções e interesses dos que serão invariavelmente penalizados. Forjam informações e propiciam ganhos constantes aos profissionais do Direito e dos movimentos sociais organizados. Trata-se de aberração e cinismo político, ao qual estamos acostumados a ver.

    Há mais de década que a área do Pinheirinho – sendo ou não do contraventor e pernicioso Naji Nahas, de tantas histórias e falcatruas – está a merecer a atenção das autoridades e da sociedade. A ocupação daquela área foi lenta e gradativa. A inércia política do município e da justiça, ao fecharem os olhos para o problema, resultou naquilo que aconteceu e se viu. Talvez o judiciário devesse ser, juntamente com o poder municipal, o principal responsável por tudo o que lá ocorreu. Município e judiciário são, no meu entender, os culpados e criminosos pelos conflitos que vão se estabelecendo no nosso meio social mais direto. O poder público municipal sempre soube da invasão e ocupação da área do Pinheirinho. Calado e covardemente presenciou a ocupação no encastelado camarote do paço municipal. Fez pouco caso, sempre. Tentou repassar responsabilidades e discutir competências. O Estado e a União também agiram da mesma maneira. Não é de se duvidar que tenham ocorrido incontáveis negociações com a massa falida, às escondidas, para locupletações e intenções políticas transversas e pouco dignas. Elas existiram ao longo dos anos e a questão social poderia ser considerada de menor relevância. Talvez as partes não tenham chegado ao acordo comum. O poder municipal deixou o problema evoluir sem ousar na aplicação de ações e de políticas públicas necessárias. O judiciário, pior, se ateve às leis, aos dogmas pouco entendíveis e valeu-se da sua paquidérmica morosidade para deixar o problema chegar ao ponto que chegou, desprezando a visão social. Fez jogo de empurra de decisão entre as competências estadual e federal. Desqualificou e reverteu decisões. Por fim, não impôs adequados procedimentos acauteladores ante a decisão drástica e irremediável.

    Nesse meio tempo, a invasão do Pinheirinho aumentou e se consolidou com a conivente e criminosa ação de políticos de todas as grandezas, espécies e partidos. Houve também os que ficaram omissos para ver o que iria dar no final. Ou seja, identificam-se os políticos incompetentes, irresponsáveis e desqualificados. Mas, a lenta e constante invasão do Pinheirinho, por população desguarnecida das políticas sociais, também deve ser considerada ação questionável. Os invasores sabem, de antemão, que transgridem ao ocuparem área que não lhes pertence, que não lhes é de direito. Comodamente, muitas vezes, se aferram e crêem em promessas políticas para o que poderá ser usufruto duvidoso. Nesse rumo, uma população sofrida é jogada e manipulada como massa de manobra. Tanto é, que o Pinheirinho abrigou moradores com bens patrimoniais consolidados e fora daquela área de conflito. É fácil constatar o bom número de pessoas que lá se estabeleceu, com seus veículos próprios, suas novas casas de alvenaria, com confortos e comodidades que não são encontrados em outras residências de pessoas de bem, respeitadoras daquilo que está estabelecido socialmente. Nesse caso, a justiça social pode e deve ser avaliada de outra foma, na sua essência e complexidade.

    O episódio do Pinheirinho se transformou em problema social de nova grandeza. Medidas preventivas que deveriam necessariamente ter sido providenciadas não aconteceram. Irresponsabilidade política do município e do judiciário, das autoridades. Por sinal, e ao final do processo, instâncias do judiciário deram o péssimo exemplo de ficarem brigando e discutindo suas decisões e arrogâncias, de olhos fechados para o problema social inevitável. Aliás, é típico do poder judiciário determinada disputa de beleza, no conforto e na lentidão que lhes convém. Semântica e falta de agilidade compartimentadas em decisões meramente pontuais, omissão ou desprezo aos interesses coletivos ou generalizados.

    Portanto, não há inocentes no conflito do Pinheirinho. Há conjunto de ineficiência, irresponsabilidade e a penalização recaiu na sociedade toda. Violências foram praticadas por todos, até mesmo pelos invasores do Pinheirinho que espalharam medos, agressões, constrangimentos e praticaram destruições nos bairros próximos e afastados à área do conflito. Sofreram e foram prejudicados munícipes que não estavam envolvidos no conflito. Bens públicos foram destruídos. Talvez a sociedade, perplexa diante de tudo, devesse mover ação judicial para penalizar todas as autoridades, passadas e presentes, que deixaram o problema chegar até o ponto em que chegou. Inclui-se aqui, a magistratura.

    As análises das instabilidades merecem atenção permanente, mas com postura responsável e de forma adequada. Cabe-nos sempre questionar a histórica inexistência de políticas públicas, que impedem a sociedade viver em paz e usufruir aquilo que lhe é de direto constitucionalmente. Na falta, os resultados são sempre catastróficos, transformam-se em vandalismo para a penalização de todos. Mas há responsáveis diretos e indiretos. Eles não aparecem no campo de batalha. Ficam escondidos e presenciam o circo pegar fogo. Determinam a execução para ser feito pelo contingente que diretamente se expõe – policiais e oficiais da justiça. Esses sofrem tanto quanto o público-alvo, que até pode ser injustiçado. Mas, no fato presente não há inocentes. Há irresponsáveis, incompetentes e toda a comunidade penalizada. Agora convivemos com nova massa de desamparados, com custos sociais coletivos e sem perspectiva de solução digna para o problema. Os mais fracos e desamparados vão penar ainda mais. A discussão ainda vai longe e envolve discursos que trilham o que é da democracia social e o que é do capitalismo.

Outras e diferentes mídias publicaram meus artigos. Confira:
O Vale
Sul21 (Comentário, postado nesse site, considerou o melhor artigo sobre o assunto) 
Blog de Irani Lima
Teclando7 (Frases da Semana)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


 VULTOS E 
BILHETES
TORMENTOSOS

Do lixo do DOPS, papéis rasgados contam 
uma história dos Anos de Chumbo



  Por Carlos Karnas – 05/10/2011
(As fotos com as reproduções dos bilhetes expostos
neste blog são de domínio e exclusividade do autor)
  


E x c l u s i v o    e    I n é d i t o

Mensagens silenciosas testemunham a história que 
a imprensa não publicou adequadamente. 
A prisão de frei Betto. 
O manifesto político dos padres presos em novembro de 1969.
Um fato real dos Anos de Chumbo, 42 anos depois. 
A reportagem resgatada por quem a vivenciou.

Faço aqui uma revelação documental. Po­derá ser histórica dos “anos de chumbo” (1968-1975) da ditadura militar brasileira (1964-1985). É fato verdadeiro. Eu o desco­bri como jornalista, na madrugada de 11 de novembro de 1969. A prova: os bilhetes, manuscritos em pedaços de papéis rasgados e num envelope onde está visível o carimbo da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.

Bilhetes da tormenta

Reproduzo os quatro bi­lhetes tormentosos, manchados de lágri­mas, suor e sangue. Estão comigo há quase 42 anos. Gostaria de ter conservado os ori­ginais que ficaram sob domínio do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde trabalha­va. Desconheço o destino ou o fim deles. Não sei se ainda existem, se foram preservados e guardados em algum outro lugar, com alguém. O certo é que ficaram esquecidos, estão sumidos. Provavelmente foram desprezados ou destruídos por se­rem reveladores. Talvez tenham sido entre­gues às autoridades dos órgãos de repressão e combate ao terrorismo. Talvez à Igreja Católica. O fato é que eu conservei as fo­tos, reproduções fiéis dos quatro bilhetes escritos por religiosos presos no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e resgatados por mim numa madrugada em que houve suspense, medo, perseguição e fuga de um repórter que tentou preservar a informação até às últimas consequências.

Marighella está morto

Os bilhetes são silenciosas testemunhas da primeira e maior operação do DOPS gaú­cho após a morte do terrorista Carlos Ma­righella, em São Paulo, no dia 4 de novem­bro de 1969, uma terça-feira. Político e guerrilheiro brasileiro, Marighella foi um dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar a partir de 1964. Com a morte do fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), o DOPS desencadeou a maior ofensiva de caça e prisão de pessoas consideradas subversivas em São Paulo, Rio e Rio Grande do Sul. Dezenas foram as prisões, especialmente de religiosos dominicanos da Ordem dos Pregadores, afinados com a Teologia da Libertação e que mantinham estreita ligação com os dirigentes das organizações de resistência à ditadura.

A prisão de frei Betto

Uma semana depois da morte de Marighel­la foram presos oito religiosos no RS. Entre eles o considerado preso mais importante do terror: Carlos Alberto Libânio Christo, frei Betto. Tinha 26 anos, era dominicano e estudava Teologia no Seminário Cristo Rei, na cidade gaúcha de São Leopoldo, próxi­ma à Porto Alegre. Usava identidade falsa com o nome de Ronaldo Matos e era o res­ponsável pelo “esquema de fronteiras” – expressão usada pelo DOPS – que facilitava a fuga de terroristas para Argentina e Uru­guai. Um membro da TFP (Sociedade Bra­sileira de Defesa da Tradição, Família e Pro­priedade) foi responsável por delatar e apontar o lugar em que frei Betto se escon­dia: Piccinelli. (Veja reprodução do “Bilhete 1”)

A força da repressão

A rigorosa repressão praticada pelos órgãos de informação, no início de novembro de 69, foi articulada pelo delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury, a partir da prisão de 23 pessoas no centro do país, entre elas doze seminaristas dominicanos e dois jor­nalistas, além de outros que sofreram tortu­ra. Alvos de intensa investigação, os freis Fernando e Ivo foram obrigados a partici­par da emboscada contra Carlos Marighella, morto com quatro tiros. A ação policial na Alameda Casa Branca, no bairro paulistano dos Jardins, foi comandada pelos delegados Fleury e Rubens Cardoso de Mello Tucunduva.

Outro preso à época, Tito de Alencar Lima, frei Tito, escreveu sobre a sua tortura nos porões da chamada Operação Bandeirantes (OBAN), criada em julho daquele ano de 1969 pelo governador paulista Abreu Sodré para ampliar a repressão contra os que se opunham à ditadura militar. O documento de frei Tito se transformou em símbolo de luta pelos direitos humanos. Em 1971 foi deportado para o Chile e, sob a ameaça de novamente ser preso, fugiu para a Itália. Considerado frade terrorista, não encon­trou apoio da Igreja Católica. De Roma foi para Paris, onde se exilou e recebeu apoio dos dominicanos. Traumatizado pela tortu­ra que sofreu, frei Tito submeteu-se a um tratamento psiquiátrico. Seu estado mental era instável, vivendo agoniada alternância entre prisão e liberdade diante do passado. Aos 28 anos, suicidou-se nos arredores de Lyon, em 14 de agosto de 1974.

A Igreja na mira do DOPS

O delegado Fleury não participou direta­mente das ações em Porto Alegre. Elas fo­ram intensas nas primeiras duas semanas de novembro de 69. Horas antes da embosca­da, tiroteio e morte do líder da ALN, Carlos Marighella, em São Paulo (4/11/69), o DOPS gaúcho realizara uma devassa no Se­minário Cristo Rei de São Leopoldo para prender frei Betto. Ele conseguira fugir. A sua prisão ocorreu uma semana depois, pela delação de Piccinelli, da TFP. Todos os freis, seminaristas dominicanos e religiosos de congregações católicas, presos na segun­da-feira (10/11/69), foram levados para a sede do DOPS de Porto Alegre. Ela ocupa­va parte do segundo andar do Palácio da Polícia, no bairro Azenha, com as janelas gradeadas voltadas para a Avenida Ipiranga.

Luzes e vultos fazem a notícia

No andar térreo do Palácio da Polícia funcionava o Plantão Central, com entrada pela mesma Avenida Ipiranga. Era por ali o único acesso ao interior do prédio, fora do horário normal de expediente. O Plantão Central concentrava todas as ocorrências policiais e acidentes de trânsito. Raramente havia movimentação noturna nas delegacias especializadas, especialmente no DOPS. Mas quando as luzes do segundo andar fi­cavam acesas, era sinal de algo sério estar ocorrendo. Pois as luzes acessas no andar do DOPS, na madrugada daquela terça-fei­ra, me chamaram atenção.

Eu era repórter policial do jornal Zero Hora. A redação ficava na Rua Sete de Se­tembro, no centro decadente de Porto Ale­gre. Trabalhava sempre no plantão da ma­drugada e desde fevereiro daquele ano aquela era a minha primeira atividade como jornalista com carteira de trabalho assinada. A passagem pelo Plantão Central era obrigatória, na ronda policial do único jornal gaúcho que mantinha reportagem ativa nas madrugadas.

Da rua não dava para identificar os vultos que se movimentavam numa das salas do DOPS. Determinei ao motorista da camio­neta Rural Willys de cor azul, com grande letreiro do jornal pintado de branco na late­ral, que estacionasse na vaga disponível em frente ao Plantão Central. A prática do jor­nalismo, naquela época, sempre estava a exigir cuidado e muita persistência na busca de notícia. Não consegui qualquer brecha de informação da movimentação no DOPS, na primeira conversa com os polici­ais plantonistas. Tentei subir a escadaria la­teral interna que levava aos andares superiores do Palácio da Polícia. No meio do caminho havia resistente portão gradea­do. Estava trancado com cadeado para im­pedir a passagem. Mas daquele ponto era possível ouvir vozes, sons de agressões e abafados gritos de quem estivesse sendo in­terrogado. Detive-me no local e afloraram as minhas cautelas. Não havia dúvida de al­guma atividade decisiva nas dependências do DOPS. Entretanto, o melhor ponto de visão para o andar com luzes acesas era da calçada externa. Combinei com o repórter fotográfico que me acompanhava, Shigueru Nagassawa, que fosse para o lado mais es­curo da Avenida Ipiranga e tentasse captar, com a teleobjetiva da sua Minolta 35mm, imagens de pessoas no DOPS. Eu fiquei encostado na camioneta observando atenta­mente a movimentação no segundo andar. 

Mensagens pela janela 

Alguém, então, se aproximou da janela que dava para a Avenida Ipiranga e olhou para baixo. Certamente identificou o carro do jornal e me viu ali encostado. Esse alguém, um ho­mem, me fez si­nais disfarçados com as mãos. Eu não conseguia ver nitidamente o seu rosto na contraluz, entretanto perce­bia o seu nervo­sismo e seus pul­sos algemados. Ele gesticulava a boca ten­tando pronunciar algo sem emitir som. A escuridão da madrugada e a distância não nos favoreciam, e a dez passos de onde estava havia os policiais do Plantão Central em constante movimento. A gesticulação do que estava à janela era decidida e extremamente nervosa, talvez desesperada para chamar atenção ou pedir socorro. Num instante ele desapareceu. Dois outros vultos apareceram no lugar dele. Insistiram com gestos para que eu permanecesse naquele lugar em que estava, junto ao meio fio da avenida. Minutos depois, o homem que havia sumido retornou e jogou para fora um pequeno pedaço de papel amassado que caiu rente a parede do prédio, na terra da floreira de um metro de largura que circundava parte do prédio do Palácio da Polícia. Observei o movimento na calçada e a rua com cuidado. Sem ninguém por perto, corri e vasculhei a floreira malcuidada repleta de baganas de cigarro, lixo e papéis, até conseguir identificar o bilhete. Outro, em seguida, foi jogado na minha direção. Recolhi-os rapidamente. No interior do veículo do jornal, com a fraca e amarelada luz do painel, desdobrei os papéis amassados e consegui ler duas mensagens escritas a mão, apressadamente, em letra de forma:
Bilhete 1: Frei Betto delatado pela TFP

Frei Beto foi preso às 6hs. Denunciado por Piccinelli da T.F.P.” (Bilhete 1).
Bilhete 2: Documentos do Vaticano apreendidos
Na busca foram apreendidos documen­tos secretos da Secre­taria de Estado do Vaticano”. (Bilhete 2).

A grafia das letras indicava que os bi­lhetes foram escri­tos por pessoas e com canetas esfer­ográficas diferen­tes. Presumi facilmente que as pessoas presas e algemadas estavam confinadas numa sala momentaneamente sem vigilân­cia. No descuido policial, conseguiram recolher papéis rasgados de um cesto de lixo. Com as canetas que estavam em cima de uma velha escrivaninha de madeira, es­creveram rapidamente aquelas mensagens para depois jogá-las pela janela.

Fiz sinal para o meu colega do outro lado da avenida se aproximar. Ele me confirmou que conseguira fotografar os vultos das pessoas na sala do DOPS e o momento em que um deles jogara o bilhete para mim. As condições de iluminação eram péssimas. A revelação exigiria trabalho laboratorial de puxar a sensibilidade do filme no banho químico e depois aumentar a exposição dos fotogramas na ampliação. O procedimento técnico de manipulação fotográfica exigiria cuidado e o laboratorista do jornal deveria ser informado. A responsabilidade ficou com Assis Hoffman, chefe do Setor Foto­gráfico de Zero Hora.

Mensagem para o cardeal 

Do interior da camioneta voltei a observar a movimentação dos presos. Pareciam mais agitados. Dois personagens estranhos surgiram e empurraram com violência dois dos algemados que estavam de pé, pró­ximos à janela. Gritos e xingamentos pu­deram ser ouvidos na rua. Depois silêncio. Um agente do DOPS olhou para a nossa direção e ficou nos observando por algum tempo. Eu e o meu colega saímos do veículo e nos encaminhamos para o interior do Plantão Central, tentando disfarçar e de­monstrar como sendo cor­riqueira aquela nossa pre­sença no local. Dez minu­tos depois, o motorista assustado veio ao meu encontro. Cochichou-me ao ouvido: “Jogaram mais dois bilhetes. Os caras foram descobertos. Saiu a maior pancadaria na sala de cima.” 

Rapidamente nos encami­nhamos para fora do Plan­tão Central. Na rua corri para procurar no canteiro os novos papéis que foram jogados da janela. O nervo­sismo talvez tenha me atra­palhado e demorei um tem­po maior até encontrá-los. Voltei e entrei na Rural Willys. Abri e li os bilhetes. No papel menor estava escrito:
Bilhete 3: Devassa nas residências

Irmão Antonio Cechin, autor do catecismo aprovado pelos bispos, está sendo inquirido, tendo a residência devassada”. (Bilhete 3).

O quarto bilhete era um manifesto dos padres pre­sos naquela noite e dirigido ao cardeal Dom Vicente Scherer, de Porto Alegre. Fora escrito num envelope em branco que continha o carimbo da Secretaria de Segurança Pública do RS, O texto dizia:
Bilhete 4: Manifesto político dos presos
Mensagem dos padres presos ao Cardeal Scherer”

Aqui estamos, presos porque tivemos a coragem de correr o risco pelo nosso irmão, por uma imposição de consciência. Em todos os tempos a Igreja acolheu os perseguidos porque pessoas. Independente dos seus crimes pessoais ou supostos delitos políticos. Desconfiamos que ‘homens’ (grifado no original) da Igreja já não assumem hoje, com medo de compro­meter seu prestígio, esta velha tradição da Igreja. Somos conscientes da nossa responsabilidade e da nossa fidelidade ao Evangelho”. (Bilhete 4).

O desafio jornalístico

A mensagem parecia inconclusa. Havia uma seta ao final sugerindo a continuação do es­crito no verso do envelope rasgado numa das pontas. Quem escrevera a mensagem fora surpreendido e obrigado a interromper a redação naquele ponto, na palavra “Evan­gelho”. Mesmo assim, aquelas informações produzidas nas dependências do DOPS pa­raram em minhas mãos. E um novo desafio jornalístico se delineava: como levantar o conjunto dos fatos e publicar a matéria?

Solicitei ao repórter fotográfico que repro­duzisse cada bilhete com a lente macro. Uma precaução. Assim teria registro dupli­cado daqueles documentos. Mas o flash da câmara foi denunciador na escuridão. Os policiais do DOPS perceberam da janela e gritaram para que ficássemos parados na­quele lugar.

Rápido. Vamos cair fora”, falei para o mo­torista Qualquer vacilo teríamos que dar ex­plicações e certamente o equipamento foto­gráfico do jornal seria apreendido junta­mente com os filmes e os bilhetes. A velha e pesada Rural Willys demorou a arrancar e ganhar velocidade na Avenida Ipiranga. Os veículos do jornal tinham tacógrafos insta­lados no painel e a velocidade máxima per­mitida era de 60 quilômetros horários. O nosso motorista cumpria rigorosamente a determinação do Setor de Transporte. In­sisti para que ele desobedecesse a ordem um quarteirão adiante, ao notar a movimen­tação de carros da Polícia que estavam estacionados e saíram em nossa perse­guição. Houve desesperada e maluca cor­rida de carros naquela madrugada em Porto Alegre. Contei cinco viaturas na nossa per­seguição, apenas uma com antiquado giro­flex vermelho no teto. Era impossível con­seguirmos apoio do jornal àquela hora e na­quela situação. No jornal permanecia ape­nas o vigia com o seu cigarro e café preto. Quando não cochilava atrás do balcão da portaria, escutava alguma programação da madrugada no seu acanhado radiozinho de pilha.

O cenário do jornalismo

Vale lembrar que estávamos dezenas de anos distantes da telefonia celular. Cabines públicas de telefonia eram raras na cidade e não funcionavam. Ligação para Rio ou São Paulo chegava a demorar horas e quase sempre necessitava do apoio de telefonista da Companhia Riograndense de Telecomu­nicações. Não havia discagem direta à dis­tância. Não se imaginava a internet do futu­ro, o computador e muito menos o notebo­ok ou iPad e tablet, a informática nas reda­ções, a instantaneidade corriqueira das ima­gens da televisão e todas as demais facilida­des de comunicação de hoje em dia. As re­dações dos jornais funcionavam com surra­das máquinas Olivetti ou Remington, com muitas laudas das aparas de papel jornal e papel carbono para cópias das matérias. As notícias nacionais e internacionais chega­vam pelos teletipos barulhentos das agênci­as de notícia. O telex, de rolos amarelados de picotar para dar velocidade na transmis­são, era valioso instrumento de envio e re­cebimento de informação. Nem fax existia. O jornalismo era praticado no bate-pernas mesmo, ao telefone ou em veículos velhos e cansados com roteiros programados para garantir o transporte de vários repórteres ao mesmo tempo. Tal realidade de trabalho no jornalismo era aflitiva. O tempo era de opressão e da censura de imprensa no regime da ditadura militar. Mas as dificuldades e condições precárias de comunicação eram semelhantes para todos, especialmente para os opositores da ditadu­ra militar e participantes da guerrilha urbana.

A informação protegida

Naquela madrugada de terça-feira, 11 de novembro de 1969, eu mal imaginava a di­mensão do fato que estava comigo. Não podia avançar rapidamente na investigação jornalística. O importante era a equipe se safar da perseguição do DOPS. Rodamos sem parar por quase uma hora. Embrenha­mo-nos nas vilas e bairros periféricos da ci­dade, redutos de bandidagem que conhecía­mos na reportagem policial. Percorremos aos solavancos vielas escuras, subimos mor­ros com os faróis da camioneta apagados. Escondemo-nos em lugares de difícil aces­so, mas com bom campo de visão para a movimentação noturna de carros. Tivemos sorte de não sermos encontrados. Havía­mos despistado os policiais que nos perse­guiram. Logicamente que era arriscado o retorno à redação do jornal no centro da ci­dade. Poderíamos ser surpreendidos. Decidi que os bilhetes e os filmes fotográficos de­veriam ser entregues à minha chefia, ao jor­nalista Vilmo Medeiros, na casa dele. Caute­losamente nos movimentamos por rotas periféricas, por ruas de bairros pouco movi­mentados e longe das avenidas da cidade que encurtassem caminho. Fomos bem adi­ante do bairro Partenon e do Beco do Car­valho, para os lados da divisa com Viamão. Tivemos paciência para nos certificar que estávamos sozinhos no bairro e na rua em que Vilmo morava. Com cautela e determi­nada segurança recolhi os bilhetes e os fil­mes para entregá-los ao meu chefe e colega.

Passava das quatro da madrugada. Insisti ao bater na porta da casa do Vilmo. Com seu vozeirão sonolento perguntou quem era. Identifiquei-me e só então ele abriu a porta da sala. Falei rapidamente do ocorrido. Ele me mandou entrar e manteve as luzes da casa apagadas. Em voz baixa detalhei tudo o que descobrira e a perseguição do DOPS. Repassei o material que havia recolhido e os dois rolos de filmes para serem revela­dos. Prudentemente Vilmo me aconselhou a não voltar para a redação do jornal e que procurasse sair imediatamente do aparta­mento em que morava, na Avenida Per­nambuco, no bairro Floresta. Eu deveria fi­car afastado e longe da encrenca por en­quanto. Despedimo-nos e redobrei a minha vigilância pessoal. Simultaneamente, o vigia noturno de Zero Hora percebeu mo­vimentação exagerada de carros da polícia em frente do prédio da redação que ficava nos altos do cinema Rex, na Avenida Sete de Setembro. Três policiais procuraram sa­ber com o vigia quem estava trabalhando na madrugada. Essa informação só ficou conhecida perto das nove horas da manhã.

A notícia sob pressão

Voltei impaciente à redação do jornal no começo da tarde. No espaço da reportagem policial, os contatos das fotos da madruga­da estavam na segunda gaveta da mesa do Vilmo. Havia uma sequência de imagens com os vultos das pessoas que chegavam perto da janela do DOPS, outra de três fo­tos registrando o momento que um dos presos jogava um bilhete para fora da janela e por fim a sequência dos bilhetes reprodu­zidos. Houve intensa conversa a portas fe­chadas de Vilmo com a direção do jornal, exercida por Ary de Carvalho e Paulo Amorim. Também houve a presença de po­liciais na redação.

Naquela ocasião deixei de ter domínio e au­toridade sobre a matéria. Fui instruído a re­digi-la com os fatos que tinha apurado e eles remetiam a uma grande operação do DOPS gaúcho após a emboscada e a morte de Carlos Marighella. No sul, frei Betto era acusado de ter ligação com a subversão violenta e facilitava a fuga de ativistas para Argentina e Uruguai. Para o DOPS ele precisava ser preso definitivamente. Acon­teceu na segunda investida dos órgãos de segurança, em menos de dez dias, que se valeram das informações de presos políticos em São Paulo repassadas pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury para a polícia gaúcha. A delação feita pelo desconhecido Piccinelli da TFP foi decisiva para a prisão de frei Betto. Ele estava fora do seminário Cristo Rei de São Leopoldo. Toda a ação policial ficou concentrada nos nomes de seminaristas dominicanos e de outros padres. Apartamentos e casas onde se encontravam os procurados foram invadidos. Houve violência nas prisões. A violência continuou em interrogatórios nas dependências do DOPS.

A notícia comportada






O jornal Zero Hora do dia 12 de novembro publicou o fato. As manchetes de primeira página foram sustentadas nos dias seguintes. Uma semana depois a revista Veja (edição 63 de 19/11/69) publicou ex­tensa mas cautelosa reportagem de capa, utilizando-se das informações que foram repassadas pela redação de Zero Hora para a sucursal da revista em Porto Alegre. A capa da revista estampou a manchete: “Os sacerdotes da violência” e ocupou 11 pági­nas internas para relatar a prisão de frei Betto, considerado o preso mais importante do terror. As fotos de Zero Hora foram ce­didas para a Veja, mas não foram publica­das até hoje.

No dia em que ocorreram as prisões no RS, a revista Veja (edição 62) circulava com a reportagem da morte do terrorista Carlos Marighella. A manchete da capa lançava a pergunta: ”O terrorismo morre com Marig­hella?”. Em dez páginas internas destacava a reportagem “Estratégia para matar o terror” e deixava pressuposta forte ação dos órgãos de repressão contra os religiosos dominicanos. Foi o que acon­teceu. Na edição seguinte, 63 de 19/11/69, a revista destacou fortemente a prisão de frei Betto no sul, o envolvimento do clero com organizações e líderes da guerrilha e a determinada violência da linha progressista da igreja. Também dedicou página inteira para Plínio Correia de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, difundir o seu catolicismo.

O fato com destino incerto

Não fossem as mensagens rápidas e deter­minadas, escritas em papéis amassados re­colhidos do cesto de lixo em sala do DOPS e jogados pela janela para mim, muito pro­vavelmente o destino de frei Betto, do reli­gioso Antônio Cechin e tantos outros pre­sos e torturados naquela madrugada de se­gunda-feira poderia ter sido diferente e para pior. Com tal documentação jornalística nas mãos, talvez tenha sido estorvo para subse­quentes ações práticas dos órgãos de infor­mação e de segurança naquela ocasião. En­tretanto, profissional novo submisso à hie­rarquia das redações e dos jornais, mais não pude fazer à época. Oportunidades outras de publicação também foram desperdiça­das.

Sagrado cardeal em março daquele mesmo ano, Dom Vicente Scherer, a principal auto­ridade da igreja católica no RS não se mani­festou publicamente. Talvez a mensagem política dos padres presos não tenha chega­do até ele da maneira como deveria chegar. Fica a dúvida. Também ficou muda a informação contida num dos bilhetes, sobre a apreensão de documentos secretos do Vaticano. Continuam não revelados, sob sigilo do clero e do DOPS. Que documentos seriam esses? Ainda existem?

O fato movimentou reu­niões fechadas na Cúria Metropolitana e na sede regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que ficava na Rua Alberto Bins, em Porto Alegre. O modo de agir do cardeal Dom Vicente Scherer era extremamente silencioso diante das questões políticas e diante dos assuntos mais polêmicos da Igreja Católica. Ele não se expunha, não provocava e jamais fez declarações polêmicas sobre o posicio­namento de segmento do clero que lançava críticas ao regime militar. Também não avançou em comentários sobre a Teologia da Libertação ou sobre a linha progressista da Igreja, que despontava com insistência e ousadia no final dos anos 60 e início dos anos 70. O cardeal gaúcho, religioso de rituais conservadores, foi um realizador de ações práticas que fundamentaram e administraram o patrimônio da Igreja Católica no sul. A vantagem de Dom Vicente Scherer era viver na Cúria Metropolitana, ao lado do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. O coronel da Brigada Militar, Walter Peracchi Barcellos, era o governador. Da sede do governo gaúcho também não saiu qualquer mani­festação sobre a prisão dos religiosos. Na imprensa o texto do manifesto dos padres presos não foi publicado.

Três dias depois da prisão de frei Betto, o secretário de Segurança do RS, Jaime Mi­randa Mariath, armou cenário na sala do di­retor do DOPS e fez a apresentação do preso: “Queremos que a imprensa compro­ve que ele está sendo bem tratado”, disse. Fotógrafos e cinegrafistas tiveram três mi­nutos para as imagens daquele jovem que era considerado perigoso terrorista. Mas os doze repórteres presentes foram impedidos de fazer perguntas. Prevaleceu a informa­ção da autoridade. Logo depois frei Betto foi transferido para São Paulo, sob domínio do delegado Fleury. Ficou preso até 1973.

O fato resgatado

Exponho os bastidores desta notícia e pu­blico as fotos que tirei dos bilhetes para re­gistrar o acontecimento jornalístico. Tam­bém determinada cena dramática de mo­mento político gaúcho e brasileiro. É resgate de informação distante. Ela faz par­te da história recente do país e sugere outra percepção do que aconteceu. No mínimo historia o fato por quem o descobriu. O material que ficou em minhas mãos não po­deria ser facilmente exposto nos anos da di­tadura militar.

Depois de tanto tempo essa documentação ficou extraviada nos meus próprios perten­ces. Minha atividade jornalística me levou para fora do RS e para muitos lugares. En­tretanto, lampejos memoriais dos aconteci­mentos vez ou outra me importunaram. Sempre questionei o fato de os bilhetes não terem merecido maior e determinada aten­ção da mídia em que trabalhei. A imprensa poderia ter sido mais ousada nesse fato, na­queles tempos de repressão e censura, mes­mo correndo seus riscos. Afinal, as prisões e os bilhetes existiam e havia registro foto­gráfico. A notícia poderia ser considerada “bomba” e o teor político e ideológico de um segmento da Igreja Católica era percep­tível, na mensagem dos padres presos e di­rigida ao cardeal Dom Vicente Scherer. As suspeitas de infiltração da direita dentro da Igreja Católica vinham à tona, por escrito, pela primeira vez. O jornal Zero Hora ousou, então, a valorizar as fotos e manchete de capa. Também enfrentava período editorial-empresarial difícil e início de negociação da transição para integrar a que seria Rede Brasil Sul (RBS) anos de­pois. Preferiu se restringir ao noticiário comportado e deixar que a mídia mais for­te, do centro do país, se encarregasse da pu­blicação com maior destaque e autoridade como pudesse.

Em novembro do ano passado (2010) esta­va em Porto Alegre e conversei na Feira do Livro – por ocasião do lançamento do meu livro “Um Quarto de Mil” – com alguns colegas jornalistas. Relembramos fatos e nomes de companheiros, os anos de repressão, falamos do Coojornal, do qual fui sócio fundador e conselheiro. Eu historiei essa prisão de frei Betto. Foi necessária a minha intervenção para esclarecer e realinhar como a informação original fora descoberta e exposta. Houve insistência para que eu resgatasse as mensagens contidas nos bilhetes, as provas de um acontecimento que entrou para a história.

Há poucos dias, uma dessas casualidades domésticas permitiu que isso acontecesse. Minha filha remexendo velhas, esquecidas e escondidas fotografias familiares se depa­rou com as fotos dos bilhetes. O material documental ressurgiu, enfim, permitindo-me desenvolver este relato. Consultei deter­minados amigos para não cair na traição da memória, entre eles o jornalista Fernando Albrecht, que hoje mantém coluna diária no Jornal do Comércio de Porto Alegre, e um participante ativo de acontecimentos da­quela época, que vive na cidade paulista de Taubaté. Submeti esta reportagem-depoi­mento à leitura de outras pessoas próximas. O jornalista Irani Lima, que mantém polê­mico blog político regional no Vale do Pa­raíba, leu o que escrevi e comentou: “Os bi­lhetes que você diligentemente guardou por mais de 40 anos revelam que a imprensa se acovardou na época e parte da Igreja não denunciou as torturas, o que era de seu de­ver. O material que você possui é peça im­portante no mosaico da repressão militar brasileira que ora se procura reavivar, para que não escape à nossa memória.”

De Brasília, amigo de longa data que viven­ciou aqui e do exterior a repressão nos “anos de chumbo” escreveu-me: “Nunca saberemos tudo, mas temos o direito e o dever de saber o máximo.” Elimar Pinheiro do Nascimento, doutor em Sociologia, ca­sado com uma irmã de Dom Marcelo Carvalheira, arcebispo emérito da Paraíba, lembrou-me que esse religioso católico também fora preso no Rio Grande do Sul e depois transferido para São Paulo. Naquele período, Dom Marcelo defendeu os líderes católicos perseguidos pelo regime militar. Foi confidente e um dos mais importantes colaboradores de Dom Hélder Câmara. O arcebispo emérito de Olinda e Recife e um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil é outra referência na defesa dos direitos humanos durante o regime militar. Dom Hélder morreu em 27 de agosto de 1999. Pregava uma Igreja simples, voltada para os pobres e a não-violência. Por sua atuação, recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Foi o único brasileiro indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz. Entretanto, seus opositores o acusaram de ser conivente com o marxismo, ideologia considerada por segmento da hierarquia católica como sen­do contrária aos princípios cristãos.

Os religiosos católicos nordestinos Hélder Câmara e Marcelo Carvalheira, juntamente com Paulo Evaristo Arns, atualmente arce­bispo emérito de São Paulo, e Pedro Cassal­dáliga, bispo espanhol radicado no Brasil em 1968, despontavam como evidentes crí­ticos do regime militar. Outros nomes im­portantes se juntaram à eles. Todos defen­diam os direitos humanos e a volta da de­mocracia. Pregavam a não-violência, o fim da perseguição política e o fim da tortura. Participavam de atos públicos, expunham ideias e demonstravam com coragem a op­ção pelos trabalhadores, pelos pobres e oprimidos. Sempre defenderam a promo­ção dos direitos da pessoa humana. Portan­to, serviram de exemplo e tiveram seguido­res no clero jovem de tendência progressis­ta e afinado às organizações de combate à ditadura. Foi esse segmento da Igreja Cató­lica que assumiu postura ideológica e defen­deu as comunidades eclesiais de base que fortaleceram o movimento social e operário brasileiro. O gradativo trabalho de cons­cientização política da população não agra­dava ao regime. Muitos religiosos e civis foram perseguidos, presos e torturados pelas forças da repressão. O que aconteceu em novembro de 1969 e aqui está relatado é típico dos “anos de chumbo”.

Há 42 anos comecei e hoje concluo esta matéria de maneira pontual, apenas relatan­do o fato e mostrando documentos, mensa­gens em papéis amassados e rasgados que, silenciosos, estão a afirmar: aconteceu desta maneira.

Os fatos novos

Há fato novo, entretanto, para justificar o que aqui está documentado: a criação da Comissão da Verdade, apoiada pelo gover­no da presidenta Dilma Rouseff e aprovada dia 21 de setembro deste ano pelos deputa­dos federais em Brasília, para apurar viola­ções aos direitos humanos entre 1946 e 1988. O projeto de lei diz que a Comissão não terá poderes para punir agentes da ditadura. As investigações incluem a apu­ração de autoria de crimes como tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocul­tação de cadáveres, perdoados com a Lei da Anistia, de 1979. A comissão terá dois anos para produzir um relatório com conclusões e recomendações. Durante as investigações, o grupo poderá requisitar informações a órgãos públicos, inclusive sigilosas, convocar testemunhas, realizar audiências públicas e solicitar perícias. A comissão terá ainda de enviar aos órgãos públicos competentes informações que ajudem na localização e identificação de restos mortais de pessoas desaparecidas por perseguição política.

Outra informação que me chega. Dois au­tores nacionais concluem publicações e ne­las inserem nova dimensão ao fato que des­cobri e testemunhei como jornalista. Uma obra é produção intelectual sobre esse pe­ríodo específico. Na outra, pelo que sou informado, o autor desenvolve tese que, na minha opinião, poderá ser explosiva, preo­cupante e, talvez, perigosa: o grande res­ponsável pela morte de Marighella foi... frei Betto.

De qualquer forma, a História sempre agradece qualquer luz que ajude iluminar os fatos que sempre terão versões específicas, dependendo de quem escreve ou conta.” Esta frase fecha e-mail que recebi terça-feira (27/09/11) de Paulo de Tarso Venceslau, amigo e vizinho no Vale do Paraíba, verdadeiro participante e teste­munha do ocorrido nos “anos de chumbo”. Ele sim tem memória e histórias para revelar.

1969. Ufa!

1969 foi diferençado, emblemático. Intenso de acontecimentos de todas as grandezas que continuam sendo lembrados e contados na visão, entendimento e grandiosidade de quem os vivenciou.

Naquele ano as naves norte-americanas Apollo 11 e 12 pousaram na Lua (julho e novembro) e o astronauta Neil Armstrong (20/07/69) foi o primeiro homem a nela pisar. Na Terra aconteceu o maior festival de rock and roll de todos os tempos, o Woodstock, nos dias 15, 16 e 17 de agosto, nos Estados Unidos.

O drama brasileiro

No Brasil, o ano foi marcado por algumas dramaticidades históricas. Houve diversas trocas de comando no Exército. Ao longo dos doze meses do ano foram constantes e inúmeras as solenidades de condecoração de militares por todo o Brasil. Por fim, o regime militar e o país se deparam com um grande problema: no dia 26 de agosto o presidente Arthur da Costa e Silva sofre uma trombose cerebral. Cinco dias depois o presidente é afastado por doença e o Brasil passa a ser governado por Junta Governativa Provisória, em 31 de agosto, composta pelos ministros Aurélio de Lira Tavares, do Exército; Augusto Rademaker, da Marinha; e Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica. O AI-16 permitiu que o Congresso Nacional fosse reaberto para ser realizada sessão conjunta, em 25 de outubro, quando foi eleito o candidato da Arena, o general Emílio Garrastazu Médici. A posse do presidente Médici aconteceu logo em seguida, no dia 30 de outubro. Com ele assumiram Alfredo Buzaid, ministro da Justiça, e o general João Figueiredo, chefe da Casa Militar. O general Arthur da Costa e Silva, presidente de 1967 a 1969, morreu no dia 17 de dezembro daquele ano. Sucessivos Atos Institucionais impuseram regras severas para a sustentação do governo militar, que não deixou de ser surpreendido por ações da luta armada de esquerda.

Avalanche de Atos Institucionais 

Dos dezessete Atos Institucionais decretados entre 1964 e 1969, regulamentados por 104 atos complementares, os doze últimos aconteceram justamente em 1969. Todos serviram como mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares. Estabeleceram para eles próprios diversos poderes extra-constitucionais para, como pregavam, combater a "corrupção e a subversão".

Os Atos Institucionais de 69 endureceram ainda mais a vida política do país, que já estava com a Constituição Federal de 1946 revogada, o Congresso Nacional fechado, os partidos políticos extintos (foram instituídos apenas dois partidos: Arena e MDB) e vivia sob a censura e a proibição de manifestação política. O AI-5 (13/12/68) foi instrumento que deu ao regime poderes absolutos. Os subsequentes, em 69, enfraqueceram o Supremo Tribunal Federal; extinguiram a justiça de paz eletiva; suspenderam as eleições no Brasil; instituíram a administração por simples “Decretos”, dos Estados e municípios com mais de 200 mil habitantes; e decretaram o fechamento de emissoras de rádio pelo Dentel. Também avançaram ainda mais nas cassações de congressistas, deputados estaduais, vereadores e prefeitos; na punição e suspensão de direitos políticos de funcionários públicos, militares, jornalistas, diplomatas, médicos, advogados, professores e pesquisadores universitários com ideologias contrárias às do regime. Diante das ações armadas de organizações revolucionárias, consideradas subversivas e guerrilheiras, os últimos Atos Institucionais decretaram o banimento das pessoas “perigosas para a segurança nacional” e a pena de morte, por fuzilamento, nos casos de "guerra externa, psicológica adversa, revolucionária ou subversiva". Uma nova Lei de Segurança Nacional foi instituída.

Consequências

A consequência dos instrumentos de força foi a rigorosa censura e a ocupação militar das universidades brasileiras, além da proibição de filmes e peças teatrais, fotos, noticiário e reportagens, transmissão de rádio e televisão que mostrassem tumultos em que envolvessem estudantes, manifestações públicas e temas polêmicos no entendimento de censores dos órgão de informação do governo. Livrarias, bibliotecas e casas de intelectuais foram visitadas. Todos os livros que falassem sobre comunismo, socialismo ou reforma agrária eram apreendidos. Foi intensificada a caça aos comunistas e criada a Operação Bandeirantes (OBAN) em 01/07/69, pelo governador paulista Abreu Sodré, com o apoio e dinheiro de empresários brasileiros de direita. para capturar subversivos e terroristas. Houve significativo aumento de prisões e torturas, mortes e desaparecimentos de pessoas.

Luta armada

A luta armada e as ações terroristas de oposição ao regime militar foram intensificadas a partir de dissidências que aconteceram no Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Partido Operário Trotskista (PORT), Política Operária (POLOP) e Organização Revolucionária Marxista (ORM). Carlos Mariguella, do PCB, morto em 04/11/69, consolidou e fundou o grupo armado Ação Libertadora Nacional (ALN) em fevereiro de 1968. A ALN liderou as principais ações terroristas no Brasil em 1969. Em torno da ALN gravitaram outras siglas de organizações terroristas: FLN (Frente de Libertação Nacional), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), MR-26 (Movimento Revolucionário 26 de Março), Corrente, Ala Vermelha e a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares).

Na luta armada, as ações dos grupos de esquerda surpreenderam, mas as forças de segurança souberam revidar com violência:

16/01/69 Estourados diversos “aparelhos” comunistas em diversos Estados. As forças de segurança informaram: “Infelizmente muitos terroristas não sobreviveram”

24/01/69 – Ataque e assalto ao Quartel do 4º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, São Paulo. Carlos Lamarca, capitão do Exército Brasileiro, foge e leva grande quantidade de armas e munições para fortalecer a guerrilha.

07/05/69 – Terroristas assaltam o Banco Moreira Salles, em Suzano, São Paulo.

26/05/69 – Assassinado o padre Henrique Pereira Neto, auxiliar de Dom Hélder Câmara, durante ação armada.

18/07/69 – A guerrilha rouba o cofre do ex-governador paulista Adhemar de Barros. O dinheiro deveria ser empregado na luta contra a ditadura, pois era fruto dos atos de corrupção do ex-governador. Adhemar de Barros morrera em 13 de março do mesmo ano.

04/09/69 – Sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, no Rio, por militantes da ALN e MR-8, que exigiram a leitura de carta-manifesto em rede nacional e liberdade para 15 presos políticos.

06/09/69 – Libertação de Charles Elbrick, trocado por 15 presos políticos que se exilaram no México. Entre eles Luís Travassos, José Dirceu e Vladimir Palmeira, líderes estudantis, e Flávio Tavares, jornalista.

07/10/69 – Assassinato do soldado PM Romildo Ottenio quando tentava prender um terrorista.

08/10/69 – Exército assume a responsabilidade pela morte do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva.

10/10/69 – Reestruturação do DOPS paulista para combater a subversão e o terrorismo.

16/10/69 – Agentes do DOI-CODI matam o estudante Eremias Delizoikov, no Rio de Janeiro.

28/10/69 – Sequência de dezenas de prisões, em São Paulo e Rio. A maioria freis dominicanos. Entre eles está frei Tito. Também são presos ativistas que participaram do sequestro do embaixador Charles Elbrick. O DOPS de São Paulo começa a obter informações e montar emboscada para Carlos Marighella.

04/11/69 – Morte de Carlos Marighella, fundador da Ação Libertadora Nacional, considerado o principal líder da luta armada.

10/11/69 – Prisão de frei Betto e de diversos religiosos no RS. Mensagem dos padres presos, para o cardeal gaúcho Dom Vicente Scherer, revela cunho político-ideológico de adeptos da Teologia de Libertação.

291169 – Sequestro de jato brasileiro, levado para Cuba com 95 pessoas a bordo.

O almanaque do ano

Revisar fatos e acontecimentos de 1969 é como folhear, de certa forma, pequeno almanaque. O músico e compositor Ataulfo Alves e a atriz Cacilda Becker morreram naquele ano. Um Decreto-Lei introduziu a disciplina de Educação, Moral e Cívica no ensino brasileiro. Foram criadas a ECT (Empresa Brasileira de Correio e Telégrafos), a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), a Embrafilme e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A profissão de jornalista foi regulamentada naquele ano, o Jornal Nacional foi transmitido pela primeira vez pela Rede Globo, e em pleno regime de censura da imprensa é lançado o tabloide Pasquim. Por fim, em 19 de novembro, o brasileiro gruda o olho na televisão para ver o milésimo gol de Pelé.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Para começo de conversa - 6 21/09/2011

Entrevista publicada esta semana na revista FelizCidade, da Primeira Igreja Batista de São José dos Campos - SP, me chamou atenção. A ex-deputada federal Ângela Guadagnin (PT-SP) ocupa espaço editorial da revista para falar sobre a sua religiosidade, sua crença e sobre política. A senhora Ângela Guadagnin foi a protagonista da "dança da pizza" ou "dança da impunidade!" no plenário da Câmara Federal em Brasília, na sessão que se prolongou até a madrugada de 23 de março de 2006, para a votação da cassação do deputado federal João Magno (PT-SP), envolvido no escândalo do mensalão.

A parlamentar da "dança da pizza"

A médica carioca Ângela Guadagnin (PT) vive ha muitos anos em São José dos Campos - SP. Nessa cidade milita politicamente. Foi vereadora, prefeita e deputada federal pelo PT. Atualmente exerce novamente a vereança na cidade. Mas o episódio mais constrangedor da vida pública de Ângela Guadagnin foi a sua "dança da pizza" ou "dança da impunidade", aquela que praticou no plenário do Congresso Nacional, em março de 2006. O Brasil assistiu e se indignou com o comportamento escandaloso, grotesco e inconsequente da deputada federal. Uma cena deprimente e constrangedora.

Escândalo do Mensalão

Naquela época, 2005/2006, Ângela Guadagnin integrava a Comissão de Ética da Câmara e o Brasil inteiro se escandalizava com as propinas graúdas que enchiam os bolsos de partidos, políticos e autoridades do governo. O mensalão envolvia astuciosa e gigantesca rede de corrupção para a compra de votos de parlamentares. Beneficiavam-se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os partidos políticos da base aliada, parlamentares corruptos, bancos e empresas de todas as grandezas. O presidente Lula afirmava nada saber, invariavelmente. Mas a grossa contravenção permitiu ao Partido dos Trabalhadores se favorecer do desvio de dinheiro público para pagar periodicamente propina a parlamentares da base aliada do governo.

Um livro é pouco para historiar o mensalão

O escândalo do mensalão se arrasta até hoje, praticamente, e está provado e comprovado em todas as instâncias. Parlamentares perderam o mandato, ministros e assessores diretos do presidente Lula saíram do governo, bancos e empresas ficaram expostos por participarem da rede de corrupção, a Polícia Federal investigou e o Supremo Tribunal Federal acolheu o manancial de acusações. Mais não pode ser feito para o esclarecimento total do escândalo, graças ao empenho e ao trabalho diligente dos partidos e dos políticos envolvidos, com o apoio de advogados que manipulam a lei. Eles aviltaram todos os procedimentos morais e éticos. Foi a imprensa que levantou a ponta do tapete que escondia toda a sujeira corrupta do mensalão, a partir das imagens de pagamento de propina nos Correios. O deputado federal Roberto Jefferson, presidente do PTB -- partido altamente comprometido no recebimento de propinas --, se encarregou de alardear o grosso do escândalo político, acusando o então Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, de ser o mentor do mensalão. A partir de então o escândalo se maturou de maneira incontestável para ficar exposto à nação e ao povo brasileiro. No mesmo pacote da corrupção ficaram relacionados os escândalos dos Correios, Bingos e o caso Celso Daniel -- prefeito petista de Santo André - SP, assassinado misteriosamente. Nomes de autoridades e de parlamentares envolvidos são tantos e o gigantismo da rede de corrupção tão fantástico e intrincado, que um livro é pouco para ser registrada essa história. Ela compromete o exercício partidário e político no Brasil e envergonha o cidadão de bem.O pior é que a prática da propina não está banida. É persistente na política brasileira, no governo federal, nos Estados e municípios. O último caso mais visível é o do DEM em Brasília.

Para não se esquecer

Na Câmara Federal foram denunciados diversos parlamentares favorecidos com as propinas que ajudavam a salvaguardar atos governamentais e a engordar cofres das campanhas políticas. Entre os parlamentares estava o deputado federal João Magno (PT), que deveria ser cassado, mas se livrou do pior. E a deputada federal Ângela Guadagnin, mesmo participando da comissão de Ética da Câmara e diante de todas as evidências, não teve pruridos de comemorar o resultado da votação parlamentar, dançando em plenário. As imagens do ridículo, o Brasil e o mundo viram. João Magno é réu confesso: confirmou ter recebido propina do mensalão. O escândalo do mensalão pode ser considerado o maior e mais desavergonhado esquema de propina e corrupção estabelecido no governo e no Congresso Nacional, envolvendo políticos, autoridades, prefeitos, ministros, partidos e empresas de todas as grandezas. Ângela Guadagnin foi conivente com o escândalo.

A deputada cai em desgraça

Apesar de não envolvida no mensalão, Ângela Guadagnin é afastada por um dia do Conselho de Ética da Câmara, punida pela sua conduta na "dança da pizza". Depois foi censurada formalmente pelo presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B - SP). No dia 9 de maio pediu o “afastamento definitivo” ao renunciar ao Conselho de Ética. Ela discursou e se declarou “magoada” com a hipocrisia da imprensa e de alguns parlamentares. Magoou-se sem razão, diante da sua conduta imprópria e conivente com os escândalos todos aflorados. Passados mais de cinco anos, a senhora Ângela Guadagnin teve nova chance de explicar a sua conduta, nas páginas 7 e 8, edição 11, Nª 38 da revista FelizCidade. Entretanto, é duvidosa a sua fala. Os editores da publicação receberam meus comentários, expostos a seguir.

Professar a fé não cala o fato


Causou-me profunda reflexão a entrevista realizada com a vereadora Ângela Guadagnin, publicada na última edição 11, Nº 38, da revista FelizCidade. A publicação não fugiu aos princípios e ideário daquilo que preconiza o seu editorial tão bem sintetizado, privilegiando o dito de Rui Barbosa ─ “A imprensa  é o dever da verdade” ─ e expondo que: “Não vamos  discutir aqui os ideologismos, mas sim deixar claro o papel da imprensa e ratificar o entendimento que a liberdade, verdade e canais abertos para posicionamentos e informações aos leitores são preceitos fundamentais do dever, de qualidade, respeitabilidade e da vida de um meio de comunicação”. Perfeito. 

O espaço editorial oportunizado para a ex-prefeita, ex-deputada federal e vereadora de São José dos Campos, Ângela Guadagnin, foi oportuno. Manifestou-se livremente. Todos os leitores de FelizCidade sabem agora que a médica e política faria tudo igual, “só não dançaria”, como integrante da Comissão de Ética no episódio da absolvição parlamentar do deputado federal João Magno, em 2006, no caso “Escândalo do Mensalão”. João Magno recebeu, sim, propina e confessou o crime publicamente, entretanto não foi cassado. Ângela Guadagnin foi a protagonista da cena mais ridícula e constrangedora ─ para não dizer infame ─ da vida parlamentar desta Nação, ao praticar a “dança da pizza” ou “dança da impunidade” naquela ocasião. Diz a vereadora que hoje ela se policia muito mais na sua atividade pública, mas repetiria a sua conduta como parlamentar em Brasília. Como deputada federal, afirma, “procurava colocar em prática todos os procedimentos de um estado democrático de direito, o que significa que uma pessoa não pode ser acusada sem antes ter sido julgada”. Tal afirmativa é falsa, manipula o ocorrido e até hoje, inacreditavelmente, a médica e política procura sustentar a inverdade. Com candura se diz “envolvida no processo”, ou seja, continua querendo fugir e escamotear a sua responsabilidade parlamentar. 

As entrelinhas da entrevista de Ângela Guadagnin, lamentavelmente, revelam que ela ainda sustenta a sua conduta de maneira inconsistente, demonstrando seu profundo descontentamento em relação à imprensa do país. Esta nunca julgou ou condenou a parlamentar Guadagnin. A imprensa noticiou e comentou fatos incontestáveis, bem como o da conduta da deputada federal, na ocasião, por ridicularizar acintosamente o povo e a Nação numa questão de propina tão grave e consistente que jamais será apagada da memória do povo brasileiro. Querer comparar a conduta vil e maléfica dos parlamentares que isentaram ─ como ela isentou ─ os envolvidos no “Escândalo do Mensalão” com aquelas praticadas hoje pelos políticos, absolvendo os ainda envolvidos em propinagens e corrupção, desmerece e desqualifica a pessoa pública e a cidadã Ângela Guadagnin. Sua postura ética é insustentável e inconveniente. Ela dizer hoje que a “mídia condena todo mundo sem dar o direito de julgamento, de defesa” é de uma leviandade comprometedora, pois o “Escândalo do Mensalão” está aí provado e comprovado. O ato que ela própria praticou é irreversível. 

Na ocasião, a então deputada federal fugiu, se escondeu e se omitiu. Ela sabia da gravidade da sua conduta. Deveria se pautar pela ética, pela moral e servir de exemplo no cargo que ocupava. Não quis ou não soube sustentar com argumentos convincentes a sua lamentável e questionável atuação parlamentar, que se revelou totalmente frágil, desrespeitosa, inconveniente e contrária aos valores morais e éticos relevados por qualquer cidadão de bem. Na ocasião, a então deputada federal defendeu a política venal, perversa, inqualificável, o compadrio político e, infelizmente, não soube honrar o parlamento brasileiro para tentar praticar mudanças necessárias à política nacional. A mobilização social para a moralização política persiste e Ângela Guadagnin parece continuar não dando a necessária e devida atenção para o fato. Mostra-se aferrada à conduta corporativista, subjuga-se aos ditames partidários e falseia os acontecimentos que não a engrandecem. 

É leviano afirmar-se que Ângela Guadagnin, como política, está a claudicar constantemente, mas o seu testemunho público pode ser considerado duvidoso e absolutamente questionável nas questões morais e éticas relevantes como a do “Escândalo do Mensalão”. Mostrar-se pessoa de fé e cristã a dignifica. Mas muitos dos seus atos praticados ao longo da vida pública não contribuem para honrá-la e engrandecê-la, quando ainda hoje a humildade e expiação dos erros se inserem como atributos necessários ao engrandecimento do ser humano. Em respeito à Nação e a todos os cidadãos de bem, a senhora Guadagnin poderia ter usufruído o tempo para realinhar coerências saudáveis, aquelas que todos esperam das personalidades e dos seus representantes públicos. Quem determinadamente escolhe a vida pública, jamais estará livre e isento dos erros e acertos que permanecerão para sempre registrados na história. A sociedade será sempre penalizada ou beneficiada com a conduta dos seus representantes. Mas há fatos que falam por si, mesmo que a pessoa professe em alto e bom som a intransigência da sua fé. O pior cego é o que não quer ver. E esta é uma questão humana, secular. Teria sido saudável saber da vereadora o realinhamento de conduta naquilo que a conduz pela vida política. Nada contra a sua fé e àquilo que a motiva como pessoa, desde que com ética em todas as instâncias. 

Carlos Karnas
20/09/11
Adendo

Como documento, abaixo artigo de minha autoria, escrito e publicado na imprensa nacional e regional em março de 2006, por ocasião da votação que livrou o deputado federal João Magno (PT-SP) da cassação. Nele destaco o comportamento da deputada federal Ângela Guadagnin ao festejar o episódio com a sua “dança da pizza” ou “dança da impunidade”. O ocorrido ficou conhecido nacional e internacionalmente para a tristeza da Nação e do povo brasileiro.

E a deputada dançou

E a médica deputada federal Ângela Guadagnin (PT-SP) dançou, quase uma dança tribal, desengonçada para um plenário comprometido, que deveria ser austero, respeitoso, nobre, justo, imaculado e à serviço do país: o Congresso Nacional. Ela festejou a impunidade explícita de deputado do seu partido João Magno. E as câmeras de televisão captaram o espetáculo solitário da deputada inconveniente, arraigada em princípios e ética absolutamente questionáveis, cumprindo o viés amargo de defender aquilo que não pode ser defendido diante do tamanho de provas inquestionáveis que recaem sobre os parlamentares envolvidos nos escândalos de propinas, o mensalão. Para o Vale do Paraíba, São Paulo e para a Nação, eis a postura infeliz de uma representante do povo, este, que só pode assistir com incredulidade tamanho gesto de desrespeito, quando valores nobres são defenestrados pelo corporativismo partidário e parlamentar. Viu-se nos últimos meses, valores morais festivamente pisoteados por quem emperrou o esclarecimento e a elucidação de fatos criminosos, por quem não prestou serviço isento e eficaz para salvaguardar a moral, a honestidade, honra e justiça na política, mesmo dentro de um Conselho de Ética Parlamentar. O que restou do partido político da deputada, seguramente, canta hosanas e aplaude o espetáculo deprimente de uma vitória absolutamente duvidosa de parlamentares comprometidos com o crime e que envolvem o atual governo. Mas o povo brasileiro, esta Nação, bem que poderiam presenciar gestos de maior magnitude cívica daqueles que são exibidos na confraria das pizzas. Talvez, liberta do comprometimento em gestão executiva, como ex-prefeita de São José dos Campos, a nobre deputada agora tenha maior desenvoltura para dançar descompassada, como títere, pois na administração pública cambaleou no seu protegido gabinete de trabalho, na prefeitura de São José dos Campos, onde imperou a fragilidade, a falta de energia, a atitude medrosa, insensata, até covarde e subserviente aos descomprometidos com o bem-estar da cidade. A carreira política da deputada pode ser favorável somente para as alas internas e sinistras do seu partido, nunca para o bem público, com o objetivo de dignificar o país e para honrar o voto do povo que a elegeu. O pedido de desculpas, pronunciado por sua assessoria, em nada desfaz o gesto praticado, carregado de intenção provocativa e malévola ingenuidade. Aliás, o que dizer mais da deputada? Onde está a sua grandiosidade pública e parlamentar? Ela existiu em algum momento? Na Caixa de Pandora da deputada, nem esperança sobrou. Dançou. E nós todos pagamos por isso. Até quando?

Carlos Karnas
23/03/06