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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Consequências da irresponsabilidade

Por Carlos Karnas

    Nos acertos e desacertos, nem tanto ao céu e nem tanto à terra. O que houve no domingo, na ação de desocupação da área do Pinheirinho, é preocupante e terá reflexos, Merecerá atenção jurídico-político-social por bom tempo e até poderá ser rememorado por anos, como marco de convulsão social. Entretanto, o calor dos acontecimentos deve ser realinhado com algum distanciamento, para a melhor análise e percepção do que aconteceu. A imparcialidade e independência são necessárias.

    Uma fantástica incompetência das autoridades (governo, legislativo e judiciário), ao longo de uma década, resultou na violência que um grupo da sociedade sofreu e que a mídia divulgou em todos os seus canais. É forçado e inconsequente recriminar a Polícia Militar na desocupação do Pinheirinho, pois a decisão da ação não pode ser imputada à Polícia Militar. Ela é executora de determinações, de instâncias outras e superiores, e ao final sempre expõe a cara para bater ou apanhar também. Nossa constituição e as legislações assim estabelecem.

    A desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, é fato incontestável. Reflete idiossincrasia contemporânea. Apresenta-se como sendo movimento agressivo e perturbador, resultante de atos e não-atos dos que deveriam resolver os problemas sociais e não os resolveram. Os responsáveis são autoridades de governos municipal, estadual e federal; do poder judiciário e do poder legislativo. Os políticos, representantes do povo, pouco ou nada fazem para a prevenção necessária de conflitos sociais previstos. Ao contrário, os alimentam às últimas consequências para tirarem o máximo proveito para si, manipulam intenções e interesses dos que serão invariavelmente penalizados. Forjam informações e propiciam ganhos constantes aos profissionais do Direito e dos movimentos sociais organizados. Trata-se de aberração e cinismo político, ao qual estamos acostumados a ver.

    Há mais de década que a área do Pinheirinho – sendo ou não do contraventor e pernicioso Naji Nahas, de tantas histórias e falcatruas – está a merecer a atenção das autoridades e da sociedade. A ocupação daquela área foi lenta e gradativa. A inércia política do município e da justiça, ao fecharem os olhos para o problema, resultou naquilo que aconteceu e se viu. Talvez o judiciário devesse ser, juntamente com o poder municipal, o principal responsável por tudo o que lá ocorreu. Município e judiciário são, no meu entender, os culpados e criminosos pelos conflitos que vão se estabelecendo no nosso meio social mais direto. O poder público municipal sempre soube da invasão e ocupação da área do Pinheirinho. Calado e covardemente presenciou a ocupação no encastelado camarote do paço municipal. Fez pouco caso, sempre. Tentou repassar responsabilidades e discutir competências. O Estado e a União também agiram da mesma maneira. Não é de se duvidar que tenham ocorrido incontáveis negociações com a massa falida, às escondidas, para locupletações e intenções políticas transversas e pouco dignas. Elas existiram ao longo dos anos e a questão social poderia ser considerada de menor relevância. Talvez as partes não tenham chegado ao acordo comum. O poder municipal deixou o problema evoluir sem ousar na aplicação de ações e de políticas públicas necessárias. O judiciário, pior, se ateve às leis, aos dogmas pouco entendíveis e valeu-se da sua paquidérmica morosidade para deixar o problema chegar ao ponto que chegou, desprezando a visão social. Fez jogo de empurra de decisão entre as competências estadual e federal. Desqualificou e reverteu decisões. Por fim, não impôs adequados procedimentos acauteladores ante a decisão drástica e irremediável.

    Nesse meio tempo, a invasão do Pinheirinho aumentou e se consolidou com a conivente e criminosa ação de políticos de todas as grandezas, espécies e partidos. Houve também os que ficaram omissos para ver o que iria dar no final. Ou seja, identificam-se os políticos incompetentes, irresponsáveis e desqualificados. Mas, a lenta e constante invasão do Pinheirinho, por população desguarnecida das políticas sociais, também deve ser considerada ação questionável. Os invasores sabem, de antemão, que transgridem ao ocuparem área que não lhes pertence, que não lhes é de direito. Comodamente, muitas vezes, se aferram e crêem em promessas políticas para o que poderá ser usufruto duvidoso. Nesse rumo, uma população sofrida é jogada e manipulada como massa de manobra. Tanto é, que o Pinheirinho abrigou moradores com bens patrimoniais consolidados e fora daquela área de conflito. É fácil constatar o bom número de pessoas que lá se estabeleceu, com seus veículos próprios, suas novas casas de alvenaria, com confortos e comodidades que não são encontrados em outras residências de pessoas de bem, respeitadoras daquilo que está estabelecido socialmente. Nesse caso, a justiça social pode e deve ser avaliada de outra foma, na sua essência e complexidade.

    O episódio do Pinheirinho se transformou em problema social de nova grandeza. Medidas preventivas que deveriam necessariamente ter sido providenciadas não aconteceram. Irresponsabilidade política do município e do judiciário, das autoridades. Por sinal, e ao final do processo, instâncias do judiciário deram o péssimo exemplo de ficarem brigando e discutindo suas decisões e arrogâncias, de olhos fechados para o problema social inevitável. Aliás, é típico do poder judiciário determinada disputa de beleza, no conforto e na lentidão que lhes convém. Semântica e falta de agilidade compartimentadas em decisões meramente pontuais, omissão ou desprezo aos interesses coletivos ou generalizados.

    Portanto, não há inocentes no conflito do Pinheirinho. Há conjunto de ineficiência, irresponsabilidade e a penalização recaiu na sociedade toda. Violências foram praticadas por todos, até mesmo pelos invasores do Pinheirinho que espalharam medos, agressões, constrangimentos e praticaram destruições nos bairros próximos e afastados à área do conflito. Sofreram e foram prejudicados munícipes que não estavam envolvidos no conflito. Bens públicos foram destruídos. Talvez a sociedade, perplexa diante de tudo, devesse mover ação judicial para penalizar todas as autoridades, passadas e presentes, que deixaram o problema chegar até o ponto em que chegou. Inclui-se aqui, a magistratura.

    As análises das instabilidades merecem atenção permanente, mas com postura responsável e de forma adequada. Cabe-nos sempre questionar a histórica inexistência de políticas públicas, que impedem a sociedade viver em paz e usufruir aquilo que lhe é de direto constitucionalmente. Na falta, os resultados são sempre catastróficos, transformam-se em vandalismo para a penalização de todos. Mas há responsáveis diretos e indiretos. Eles não aparecem no campo de batalha. Ficam escondidos e presenciam o circo pegar fogo. Determinam a execução para ser feito pelo contingente que diretamente se expõe – policiais e oficiais da justiça. Esses sofrem tanto quanto o público-alvo, que até pode ser injustiçado. Mas, no fato presente não há inocentes. Há irresponsáveis, incompetentes e toda a comunidade penalizada. Agora convivemos com nova massa de desamparados, com custos sociais coletivos e sem perspectiva de solução digna para o problema. Os mais fracos e desamparados vão penar ainda mais. A discussão ainda vai longe e envolve discursos que trilham o que é da democracia social e o que é do capitalismo.

Outras e diferentes mídias publicaram meus artigos. Confira:
O Vale
Sul21 (Comentário, postado nesse site, considerou o melhor artigo sobre o assunto) 
Blog de Irani Lima
Teclando7 (Frases da Semana)

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